Sofia Filgueiras Carvalho
☆ 1888
Pais:
Sofia Filgueiras Carvalho
No mesmo dia em que os escravos começaram a abandonar os cafezais, os engenhos de açúcar, o tronco e a senxala, nascia na fazenda "Estrela", no município mineiro de Porto Novo do Cunha (
), às 9h, Sofia Filgueiras Carvalho. ...
Filha de Manoel Gonçalves Filgueiras, um grande fazendeiro, possuidor de um vasto cafezal, onde eram mantidos cerca de 200 negros em regime de escravidão, no século passado, dona Sofia conheceu os horrores do cativeiro, através de um contato íntimo com escravos das fazendas da região. Apesar de Ter nascido no mesmo dia em que a princesa Izabel assinou a Lei Áurea, libertando todos os negros, ela pôde presenciar, ao longo de sua infância e adolescência, a brutalidade com que os senhores de terra tratavam seus escravos. "Eu falava com o papai para ele soltar os negros. Que aquilo era um pecado", lembrou ela.
Dona Sofia cresceu na terra junto com os negros, que permaneceram na fazenda "Estrela" mesmo depois da abolição. Foi amamentada por uma ama-seca negra, passeava pela plantação de café acompanhada do "negro Firmo", e era chamada de Sinhazinha. "Meu pai não maltratava seus escravos. Às vezes ele era bruto. Mas tinha muitos outros fazendeiros da região que faziam sangrar os negros", contou.
Sofia Filgueiras Carvalho, aos 100 anos de idade
Com a vida restrita aos limites de "Estrela", dona Sofia lembra que lá mesmo aprendeu a ler e escrever, com um professor particular, contratado para ensinar os 21 filhos de Manoel Filgueiras. Sem quase nunca deixar a fazenda, dona Sofia só frequentava os bailes da juventude da época, quando eles eram patrocinados por seu pai. "Tinha muita festa na nossa casa. Eram bailes lindos, com os rapazes vindo a cavalo, todos bonitos e elegantes. Eu gostava muito de ficar olhando para eles", disse.
Mas não foi com nenhum desses rapazes, "lindos e elegantes", que ela se casou. Como era costume na época, os casamentos eram arrumados pelos pais e no caso dela não foi diferente. "Um dia minha mãe chegou perto de mim e disse que ia me casar. Eu falei para ela que não queria, que queria mesmo continuar brincando com minhas bonecas". Mesmo contra sua vontade, dona Sofia foi entregue ao funcionário da Central do Brasil, o português Joaquim da Silva Carvalho que era viúvo e tinha quatro filhos.
Assustada com a idéia do casamento aos 22 anos, e sonhando mesmo com os rapazes dos bailes, dona Sofia chegou a dizer ao homem, com que iria viver mais de 60 anos, que não gostava dele e que preferiria continuar brincando de bonecas. Sem a companhia do pai, que morreu de desgosto por não conseguir continuar guiando sua lavoura depois da Lei Áurea, ela casou e abandonou a vida da fazenda, indo morar em Três Rios no Estado do Rio de Janeiro (
).
Na cidade, dona Sofia e o português tiveram 11 filhos, Izabel, Irã, Iolanda, Iraldina, Luzia, Maria da Glória, Carlos, Mirita, Isaura, Alberto Henrique e André Luiz. Mas, na verdade, os dois formaram uma família com 17 membros, já que Joaquim da Silva teve quatro filhos do primeiro casamento. "Nós nunca tivemos uma reclamação da mamãe de que ela estava cansada. Ela nunca perdeu a paciência com a gente", comentou Iolanda Filgueiras, a filha do meio, que toma conta da mãe.
Retirado do Jornal Estado de Minas - Domingo, 1° de Maio de 1988 - pág. 17 - "Dona Sofia, 100 anos, relembrando os negros tempos da escravidão", por Beatriz Lima
(Última atualização: Março de 2001)